sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A DIVIDA DE UMA GERAÇÃO PASSADA!

A DIVIDA DE UMA GERAÇÃO PASSADA!

O processo de formação do Brasil feito por portugueses, se valeu da exploração da mão-de-obra de seres humanos, mais especificamente de índios e negros, que foram arrancados de forma cruel do ambiente em que viviam para que fossem jogados nas mãos de senhores que lhes “roubavam a vida”. Como esta era a terra dos índios, talvez por isso fosse mais fácil para eles fugirem dos abusos ao qual eram submetidos, e voltar para o seu ambiente de origem.
Agora com os negros isso já era mais difícil, existe um oceano de distancia que os separavam de sua terra natal os negros foram usados para gerar as riquezas de seus patrões muitos negros lutaram pela sua liberdade, e morreram por isso, o maior símbolo dessa luta foram os quilombos.
Mas só após cerca de 300 anos de exploração é que a liberdade foi alcançada e esta só veio por causa de que agora o mundo se valia de uma outra forma de produção que não era mais alicerçada na escravidão. Assim o negro agora era livre, só que ele possui uma liberdade onde teria agora que ir atrás de um lugar para morar, de suas refeições, de um emprego para poder suprir as outras duas dificuldades anteriores. Ou seja, depois de séculos de exploração os escravos agora eram deixados a mercê de sua própria sorte. Com a chegada dos imigrantes até mesmo o trabalho que viam executando sofreu conseqüências, agora havia um outro “produto” no mercado para fazer concorrência.
Novamente foram escravizados pelo sistema de produção, vendiam agora sua mão de obra isso é verdade, mas recebiam apenas para a sua sobrevivência. Junto com o processo de urbanização se expandiram nas cidades, mas de forma escamoteada, empurrados para as zonas periféricas das cidades os negros começaram a habitar, daí surgindo as favelas, as comunidades populares. Com o processo de imigração e também a expansão populacional, pessoas de outras raças passaram a também morar nessas áreas, e assim como alguns negros – poucos na verdade – também melhoraram suas condições de vida.
Percebe-se com esse pequena explanação a importância do negro na construção do país, e tudo o que sofreu, entretanto todo o mal ao qual ele foi submetido, foi cometido por uma geração de exploradores. Devido a isso quando se fala em uma divida com a população negra isto me soa estranho, não vejo o porque de uma geração pagar pelos pecados da outra. Com o foi empurrada para a margem da sociedade a maioria da população pobre no Brasil é negra, ou de descendência negra. Descendência aliás que não vejo apenas nos estratos mais pobres, mas em todas as camadas.
Como o negro é maioria na classe mais desfavorecida, ele acabou se tornando um estereotipo de pobreza, e isso é algo que deve ser mudado, esse estigma de que negro é pobre e ladrão que deve ser combatido na sociedade brasileira – tem que se mudar esse tipo de pensamento. E não vejo a implementação de cotas raciais como algo que mude este tipo de pensamento discriminatório, vejo a questão da raça nas cotas como algo que poderia acentuar a discriminação no Brasil.
Para mim as cotas tem que ser vista não pela ótica da raça e sim do ponto de vista socioeconômico. A definição de raça em nosso país é algo complicado temos: brancos, amarelos, indígenas, negros, pardos, morenos, mulatos, etc. Por isso a determinação de quem se encaixaria nas cotas raciais é algo falho ao meu ver, e isso já deu suas provas como algo de dois irmãos, gêmeos, onde um foi qualificado para concorrer usando cotas e outro não, isso na UNB(Universidade Federal de Brasília). A definição se é possível se um candidato poderá concorrer ou não a uma vaga fica a critério de uma comissão. E é esta que irá dar o aval se o candidato pode ou não entrar nas cotas.
Desta forma acho mais legitimo que o sistema de cotas seja feito visando apenas características sociais, classe social e estudo em escola pública, não quero dizer que este método não possui suas falhas, mas vejo este como um modelo mais justo de avaliação, já que beneficia de forma mais igualitária tantos brancos quantos negros que venham de uma origem popular.
Igualdade que para aqueles que são contra as cotas é o grande principio da constituição que será ferido, já que o artigo 5º da constituição diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, mas ao meu ver essa implementação de cotas não fere este artigo só vem na minha concepção edificar o artigo 3º em seus incisos I e III que diz que o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além de ter que erradicar a pobreza e a marginalidade, e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Não sou especialista em direito mas vejo dois artigos da constituição entrando em choque – no caso especifico das cotas – assim creio que a decisão a ser tomada deve ser a que se destina a diminuir as desigualdades. Me valho agora da definição da antropóloga Veena Das (1995) que fala sobre “evento critico” como algo que institucionaliza fenômenos que a principio não eram esperados no contexto imediato que estes ocorrem. Estes eventos mudam as ações e as categorias tradicionais, fazendo com que os atores sociais se reposicionem.
É claro que no Brasil existe uma exclusão e esta tem que ser, se não extinta, no mínimo amenizada, as cotas no meu ponto de vista, sem definir raça, é um instrumento que deve ser utilizado, só que esse instrumento tem que ser paliativo e a educação de base tem que ser melhorada exponencialmente, não só quantitativamente, mas qualitativamente para que assim no futuro as desigualdades sejam elas raciais econômicas, regionais, estejam em níveis baixos e possamos finalmente ver que o Brasil era realmente o país do futuro. Contudo para que exista esse futuro tem que se começar agora no presente. A divida a ser paga, é a divida da educação, a de base e para as camadas mais pobres, nunca ter sido vista com prioridade e responsabilidade visando qualidade e não apenas números.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A Ponte - Documentário

Documentario que ainda não vi, mas que parece ser muito bom, recomendo antes de ve-lo, trata do abismo social brasileiro a partir da zona sul paulistana. É dirigido por João Wainer e Roberto T. Oliveira.



http://www.youtube.com/watch?v=8u8p5HIOFk0

domingo, 15 de junho de 2008

Lixo Europeu

Não quero “dar uma de professorinha” ou coisa parecida, mas venho através desse texto fazer uma análise crítica do que foi o “descobrimento do Brasil”, pois isso é importante para desvendar a fantasia de que o Brasil foi descoberto por acaso, o que não é verdade.

No século XVI a Europa estava em grande evolução capitalista, o estado era o pré-capitalista, mais conhecido como Mercantil. Quando os portugueses vieram fixar a colônia, sua única intenção era garantir seu território por “direito”. Aqui já haviam invasões estrangeiras, como dos Holandeses no Nordeste (Bahia e Pernambuco) e dos Franceses no Rio de Janeiro. O maior interesse não era procurar novas terras, civilizações, mas era usurpar riquezas das terras “sem donos” e subjugar seus nativos para garantir a prosperidade de seus interesses. Como disse Faoro em seu primeiro parágrafo do livro “Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro”,


O primeiro golpe de vista, embaraçado com a realidade exótica, irredutível aos esquemas tradicionais, apenas revelou a esperança de novos caminhos dentro do pisado quadro mercantilista. O descobridor, antes de ver a terra, antes de estudar as gentes, antes de sentir a presença da religião, queria saber de ouro e prata. (FAORO, 1984: p.99)


É interessante pensar e analisar as descrições que os portugueses fizeram do Brasil: “a terra desprovida de ouro e prata”. Essa afirmação tirava o Brasil do merecimento do mercado mundial, porém não o tirava da conveniente capacidade de alojar os pobres miseráveis que atormentavam e ameaçavam a boa vida dos nobres europeus. “A visão paradisíaca, criada pelo grupo dominante, filtrada da imaginação dos letrados servia para calar os ódios guardados”. (FAORO, 1984: p. 101). Dentro desse mesmo contexto, as descrições que os portugueses fizeram do mundo novo e seus nativos, a meu ver, serviram para preparar as possíveis invasões armadas dos próximos “descobridores”. Percebe-se essa manobra quando descreveram as características dos índios brasileiros como inocentes mansos, mancebos e de bons corpos.

Os índios e nativos livres passaram a trabalhar para sustentar a dignidade dos, antes miseráveis, agora senhores de terras no Brasil, no qual recebia feitorias para a estabilidade econômica e territorial; O rei passaria a vigiar esses comércios e garantir o lucro da Coroa; Os índios passaram a ser escravos dos portugueses que transferiam o suor e as fadigas ao indígena, e garantia seu enobrecimento súbito.

Além de mão-de-obra escrava, as índias também tinham suas funções: servir sexualmente os colonos. Já que no Brasil havia tantas índias nuas “sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”, de bons corpos, por que não dar-lhes um papel? E assim os colonos “saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidados, senão atolavam o pé em carne” (FAORO, 1984: p.102). E assim o Brasil inicia seu papel principal no período pré-colonial.



Clareanna Santana

Bacharelanda em Ciências Sociais da UFPB

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Reflexões acerca da obra de Roger Bastide

Fazendo uma leitura do mini-curso 7- “Dois momentos da África entre nós: estudos antropológicos de Candomblé e Quilombos.” Ministrado pela professora Paula Montero (USP) na 25ª Reunião Brasileira de Antropologia (2006), podemos ter algumas reflexões acerca da obra de Roger Bastide.
Bastide faz uma interpretação das sociedades a partir, também, da interpenetração das mesmas. Seria a idéia da penetração da sociedade africana dentro da sociedade brasileira, dando uma nova configuração. A sua obra é uma tentativa de síntese do que se tinha estudado sobre África no Brasil. E dentro desses estudos, ele também tem importância por ter sido um dos introdutores dos estudos de identidade.
Suas análises para uma configuração étnica, partem de uma interpretação étnico-histórica. Ou seja, entender como os grupos produzem sua identificação étnica num processo histórico.
Uma distinção importante na obra de Bastide para o entendimento de sua interpretação, está na concepção de ideologia e memória coletiva. Sendo a memória coletiva, e não a ideologia, o fator importante para a reconfiguração da África entre nós.
As religiões africanas são, para Bastide, equivalentes da cultura africana, onde não é total, mas partes ficaram e se reproduziram. Seria a autenticidade da cultura africana, no Brasil, especificamente, em contraponto aos Estados Unidos, por exemplo, que teve que reinventar sua cultura que foi suprimida no passado.
Nessas análises de Bastide, ele não está preocupado em olhar as culturas, mas os agentes culturais. Os agentes em relação. São os grupos que se encontram.
Outro fator importante para entender Bastide, é que ele quis juntar sociologia e antropologia. Ou seja, o estudo das relações com o estudo do simbólico. E disso ele buscava entender como essas religiões foram reagindo com o espaço das relações no Brasil. E daí ele diz que as idéias migram para o Brasil, reinstalam-se, e diante das adversidades, a memória coletiva foi preservada. Sendo desta memória coletiva que se dá a configuração da África no Brasil. Em outras palavras, Bastide diz que a religião é a expressão mais elevada de uma civilização. Ou seja, se eu entendo a religião, eu entendo a civilização.
Vale salientar que estes estudos têm inspiração em Weber, onde Bastide construiu uma sociologia das configurações. Formas de agenciamento do simbólico.
É importante falar também que, além da sociologia e antropologia, Bastide dá valor à psicologia, onde ele procura entender a relação entre estrutura social e vida mental.
É, então, a sociologia, a antropologia e a psicologia sendo utilizada por Bastide para o entendimento do processo de re-significação das configurações africanas em território brasileiro, através de uma memória coletiva prevalecendo diante dos conflitos sociais.



George Ardilles
Bacharelando em Ciências Sociais da UFPB

terça-feira, 10 de junho de 2008

Quando a defesa de privilégios raciais une direita, centro e esquerda e sai na Globo


Por Dennis de Oliveira [Segunda-Feira, 5 de Maio de 2008 às 11:34hs]

Você imaginaria uma manifestação pública que unisse intelectuais tucanos, jornalistas de extrema-esquerda, um articulista de extrema-direita, um músico que protagonizou um movimento de rebeldia estética, uma liderança política que se afirma marxista, lideranças empresariais? Uma manifestação que vai contra uma política que proporciona a inclusão de um segmento social historicamente excluído? Uma manifestação que elogia medidas recentemente tomadas na emergência do neoconservadorismo nos Estados Unidos? E tudo com ampla cobertura do Jornal Nacional?
Pode acreditar que isto aconteceu. Foi o manifesto entregue no Supremo Tribunal Federal assinado por lideranças (?) e intelectuais (?) solicitando que a corte declare inconstitucional a adoção das cotas nas universidades com a alegação de que isto fere o tratamento igual, independente de raça, credo, etc. previsto na Constituição.
O que une esta aliança tão ideologicamente heterogênea? Os seus membros não são vítimas do racismo que impera sobre a população negra. São pessoas que não sofreram e não sofrem com os mecanismos de exclusão racial e querem ditar como esta população negra deve lutar pelos seus direitos. Será que este mesmo grupo aceitaria que os povos de matriz africana também decidissem como os judeus deveriam ser reparados após o Holocausto nazista? Será que também é contra as políticas de ação afirmativa implantadas no final do século XIX e início do século XX que beneficiaram os imigrantes europeus (provavelmente muitos destes são descendentes destes imigrantes e beneficiários diretos destas políticas de ação afirmativa)? .
A argumentação do manifesto é absurda. Parte do pressuposto de que políticas de ação afirmativa "racializam" a questão social, como se esta já não fosse racializada historicamente no país. A questão de que o problema da população negra é social e não racial não responde a seguinte pergunta: por que os negros são pobres? Porque o critério de ascensão social no país é racializado. Assim, não são as políticas de ação afirmativa que irão "racializar" as relações sociais, elas já são racializadas e ignorar isto é manter as assimetrias e desigualdade de oportunidades com marcas raciais no país.
Outro argumento no manifesto é que as políticas racializadas são excludentes. Cita o apartheid e as classificações étnicas feitas na época da colonização. O argumento é matreiro: compara uma reivindicação voltada para superação das desigualdades raciais com medidas tomadas por poderes racistas para a manutenção e ampliação das hierarquias raciais. Tem um fundo cristão neste argumento. Pedem para que a população negra, diante da violência que sofre do sistema, aja como Jesus Cristo: diante do tapa recebido, ofereça outra face.
Mas a lógica reacionária se mostra quando o texto do manifesto considera "um avanço" as declarações de inconstitucionalida de feitas pela Suprema Corte dos EUA das ações afirmativas naquele país. Não informam, os manifestantes, que esta ação da Suprema Corte ocorre dentro de um retrocesso conservador nos últimos anos nos EUA que tem como conseqüência o aprofundamento das desigualdades sociais naquele país, a concentração de renda e a emergência de uma extrema-direita cujas políticas são danosas para todos os povos. Não me surpreende que Reinaldo Azevedo defenda isto. Mas será que José Arbex, Ferreira Gullar, César Benjamin e outros endossam isto ou a paixão anti-cotas os faz aliar-se a idéias e pessoas conservadoras deste tipo?
E, finalmente, qual é a alternativa apresentada pelos signatários? Esperar uma melhora no ensino público para que as condições sejam iguais? Talvez ignorem os estudos feitos pelo economista Ricardo Henriques, do Ipea(Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) de que a manutenção do atual grau de evolução dos indicadores sociais da população negra fará o conjunto deste segmento social atingir o atual estágio em que se encontra a população branca em 32 ANOS!!! Traduzindo: se a população branca ficasse parada nos atuais indicadores sociais e a população negra continuasse o ritmo atual de melhoria das suas condições sociais, em 32 ANOS TERÍAMOS A PRETENSA EQÜIDADE SOCIAL!!! Seria interessante estes intelectuais irem pedir à população negra para que aguardem uns 30 anos para conseguir a sua cidadania (só 30 anos, isto não é nada!).
O debate anti-racista no Brasil incomoda pelo seguinte motivo: combater o racismo implica, necessariamente, em redistribuir riquezas e isto significa perda de privilégios para alguns. Enquanto o combate ao racismo fica no aspecto etéreo, sem foco, como mera denúncia, a solidariedade é enorme. Não é politicamente correto assumir-se como racista, principalmente para quem se diz "intelectual" e "de esquerda". Mas incomoda - e muito - quando o movimento negro supera a fase da denúncia e passa a exigir a eqüidade num país em que o bem estar é um privilégio e a socialização dele implica em perder privilégios. Em casos como este, fronteiras ideológicas se esvaem e esta aliança - que parece impossível de acontecer - não soa tanto estranha. E muitas figuras que, pelas suas posições político-ideoló gicas jamais teriam visibilidade na Globo, tiveram seus minutos de fama no Jornal Nacional.

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Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, jornalista e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, presidente do Celacc e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro (Neinb/USP).
E-mail: dennisoliveira@ uol.com.br

http://www.revistaf orum.com. br/sitefinal/ NoticiasIntegra. asp?id_artigo= 2806

sábado, 17 de maio de 2008

Elogio aos Baianos


Correio de Campinas, 06 de maio de 2008

Roberto Romano

"Desde os anos oitenta do século anterior vou à Bahia em missão acadêmica. O primeiro convite da Universidade Federal teve um responsável brilhante, na mente e alma éticas. Trata-se de José de Oliveira Arapiraca, coordenador da pós-graduação que se instalava na área educacional. Entusiasta do saber, o docente se esforçou por levar ao curso in fieri pessoas competentes de todo o Brasil e do estrangeiro, para garantir o ensino e a pesquisa rigorosos. A cada nova aproximação com Arapiraca, eu me encantava com a sua mente aguda, a pertinácia de sua vontade. Contra muitas dificuldades, a pós-graduação foi instalada e trouxe ganhos para a Bahia, com ressonância positiva no país inteiro.

Coordenador do curso, Arapiraca partiu quase do zero, mas em cada momento de sua batalha testemunhei a confiança mantida por ele face aos alunos, o respeito pelas inteligências, a fé nos processos educativos. E digo, sem medo de errar, que tal atitude era correspondida pelos estudantes. Dei cursos cujo horário seria difícil de ser obedecido à risca, mesmo em terras européias ou norte-americanas. Um deles começava as sete e meia da manhã e tinha seu término por volta de 17 horas. A maioria absoluta dos estudantes estava na sala com a minha chegada. Não apenas presença corporal, mas anímica: testemunhei o interesse refletido sobre tudo o que dizia em aula, dos silogismos complexos aos números, destes às análises epistemológicas, históricas, políticas. Não raro, recebi perguntas árduas de serem respondidas. E tais interrogações são as melhores, como reconhecem os professores retos: se não sabemos a resposta, nos dirigimos aos livros, aos colegas mais informados no assunto. Apenas assim somos dignos do título de professor: aquele que professa a amizade pelo saber, não sabichões supostamente absolutos. Dar aqueles cursos, sob a coordenação diligente de Arapiraca, foi uma das poucas bençãos que recebi na vida universitária. Arapiraca estava sempre perto, queria saber quais problemas surgiam, como os alunos e funcionários respondiam às exigências, etc.

Autor de dois livros essenciais para quem deseja conhecer a história do Brasil e de sua universidade, José Arapiraca dirigia a Faculdade de Educação da UFBA quando deixou este mundo. O primeiro livro a que me referi se intitula A USAID e a educação brasileira: um estudo a partir da abordagem crítica da teoria do capital humano (São Paulo, Cortez, 1982) . Ele é a publicação de um brilhante mestrado, defendido na Fundação Getúlio Vargas do Rio. O segundo, trata do uso indevido de escolas, pela oligarquia bahiana, o ferrete dos oligarcas postos como nomes em estabelecimentos oficiais de ensino (Fisiologismo Político e Qualidade da Educação, Ianama Ed. Salvador, 1988). Sempre que constato o uso indevido de recursos públicos (materiais ou simbólicos) na educação, releio o livro de Arapiraca para entender melhor o fenômeno. E aprendo muito a entender a mente de alguns professores - frutos de um sistema oligárquico - que enunciam coisas tremendas, em triste depreciação da própria universidade. Arapiraca conhecia as deficiências acadêmicas. Lutou para modificar as coisas educacionais baianas. Sua fala era de elevado respeito e carinho pelo povo que mantêm os campi com pesados impostos. Convicto defensor das ciências, das artes, da ética, aquele professor honrou seu nome e honrou sua terra.

O exato contrário vimos na semana passada. Outro coordenador de curso, que deveria diagnosticar mazelas e definir estratégias de resolução, considerou certo acusar discentes pelos pobres resultados em exame de curso. O coordenador levou o insulto ao povo que paga seu salário. “O baiano toca berimbau porque só tem uma corda. Se tivesse mais (cordas), não conseguiria”. Nunca imaginei testemunhar algo assim, nos lábios de um professor universitário. Prova do acerto hegeliano quanto aos intelectuais, o “mundo animal do espírito”. No zoológico do intelecto vivem nobres e inomináveis, como em toda a natureza ou sociedade. Quem despreza sua gente não é nobre. Existe um orgulho autêntico e outro, de arrogância injusta. O primeiro eleva, o segundo trai essência luciferina e termina no rastejo abjeto do pó."

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Assistencialismo ou luta de classe?

O debate em torno do conceito de classes está presente na tradição clássica e contemporânea da sociologia, embora antes mesmo de uma consolidação de uma ciência sociológica já existissem classes fundamentais nos seus respectivos momentos históricos. O que não se tinha era uma análise sistemática de tal conceito.
O marxismo traz contribuição importante para esta análise tomando como categoria as relações de produção no sistema capitalista, onde a estrutura econômica é fator preponderante para constituição das classes. É dito marcadamente no conceito marxista a existência de duas classes fundamentais no Modo de Produção Capitalista. Proletariado e burguesia. Estas constituem-se num processo histórico-dialético entre relações sociais e econômicas, de distribuição de bens e serviços.
É importante frisar a idéia de “consciência em si” e “consciência para si” que, segundo Lukács, teórico marxista, é fundamental na constituição real de uma luta de classes.
Weber em seus estudos sobre a estratificação social acrescenta as categorias “status” e partido, assim como o conceito de poder para justificar que na constituição da luta de classes do sistema capitalista não é a ordem econômica única formadora de uma “situação de classe”. Temos aí a questão da “honra social” e do poder político.
Foi com esta base que se iniciaram os debates sobre a luta de classes, e é com estes fundamentos que neomarxistas e neoweberianos, assim como funcionalistas, vão travar uma discussão até certo ponto com uma confusão de conceitos para a compreensão do capitalismo avançado. Crise no mundo do trabalho e futuro das classes são temas recorrentes nos estudos de estratificação no Brasil.
Entra aí, por que não, a discussão que é tão recorrente nos dias atuais. O assistencialismo tornou-se um modo corriqueiro das elites econômicas e dos despossuídos de capital, mas com “boa vontade”, massagearem seus egos e se sentirem tranqüilos perante as desigualdades e problemas enfrentados no mundo atual. “Natal sem fome”, “Ação”, “Criança Esperança”, “Fome Zero”, “Bolsa escola”, etc. constituem projetos transformadores de uma realidade ou faz parte de um maquiavelismo político que traz consciente ou inconscientemente uma luta em busca de uma manutenção de classe no poder? Seria o assistencialismo um modo do sistema capitalista em sua transição para o neoliberalismo alienar um sujeito na história fazendo perder-se, ou nunca chegar a ter, sua “consciência para si”; dizendo “Adeus ao proletariado”; fazendo com que na luta de classes só um lado esteja ativo? Há que se discutir.
George Ardilles
Bacharelando em Ciências Sociais da UFPB