domingo, 15 de junho de 2008

Lixo Europeu

Não quero “dar uma de professorinha” ou coisa parecida, mas venho através desse texto fazer uma análise crítica do que foi o “descobrimento do Brasil”, pois isso é importante para desvendar a fantasia de que o Brasil foi descoberto por acaso, o que não é verdade.

No século XVI a Europa estava em grande evolução capitalista, o estado era o pré-capitalista, mais conhecido como Mercantil. Quando os portugueses vieram fixar a colônia, sua única intenção era garantir seu território por “direito”. Aqui já haviam invasões estrangeiras, como dos Holandeses no Nordeste (Bahia e Pernambuco) e dos Franceses no Rio de Janeiro. O maior interesse não era procurar novas terras, civilizações, mas era usurpar riquezas das terras “sem donos” e subjugar seus nativos para garantir a prosperidade de seus interesses. Como disse Faoro em seu primeiro parágrafo do livro “Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro”,


O primeiro golpe de vista, embaraçado com a realidade exótica, irredutível aos esquemas tradicionais, apenas revelou a esperança de novos caminhos dentro do pisado quadro mercantilista. O descobridor, antes de ver a terra, antes de estudar as gentes, antes de sentir a presença da religião, queria saber de ouro e prata. (FAORO, 1984: p.99)


É interessante pensar e analisar as descrições que os portugueses fizeram do Brasil: “a terra desprovida de ouro e prata”. Essa afirmação tirava o Brasil do merecimento do mercado mundial, porém não o tirava da conveniente capacidade de alojar os pobres miseráveis que atormentavam e ameaçavam a boa vida dos nobres europeus. “A visão paradisíaca, criada pelo grupo dominante, filtrada da imaginação dos letrados servia para calar os ódios guardados”. (FAORO, 1984: p. 101). Dentro desse mesmo contexto, as descrições que os portugueses fizeram do mundo novo e seus nativos, a meu ver, serviram para preparar as possíveis invasões armadas dos próximos “descobridores”. Percebe-se essa manobra quando descreveram as características dos índios brasileiros como inocentes mansos, mancebos e de bons corpos.

Os índios e nativos livres passaram a trabalhar para sustentar a dignidade dos, antes miseráveis, agora senhores de terras no Brasil, no qual recebia feitorias para a estabilidade econômica e territorial; O rei passaria a vigiar esses comércios e garantir o lucro da Coroa; Os índios passaram a ser escravos dos portugueses que transferiam o suor e as fadigas ao indígena, e garantia seu enobrecimento súbito.

Além de mão-de-obra escrava, as índias também tinham suas funções: servir sexualmente os colonos. Já que no Brasil havia tantas índias nuas “sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”, de bons corpos, por que não dar-lhes um papel? E assim os colonos “saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidados, senão atolavam o pé em carne” (FAORO, 1984: p.102). E assim o Brasil inicia seu papel principal no período pré-colonial.



Clareanna Santana

Bacharelanda em Ciências Sociais da UFPB

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Reflexões acerca da obra de Roger Bastide

Fazendo uma leitura do mini-curso 7- “Dois momentos da África entre nós: estudos antropológicos de Candomblé e Quilombos.” Ministrado pela professora Paula Montero (USP) na 25ª Reunião Brasileira de Antropologia (2006), podemos ter algumas reflexões acerca da obra de Roger Bastide.
Bastide faz uma interpretação das sociedades a partir, também, da interpenetração das mesmas. Seria a idéia da penetração da sociedade africana dentro da sociedade brasileira, dando uma nova configuração. A sua obra é uma tentativa de síntese do que se tinha estudado sobre África no Brasil. E dentro desses estudos, ele também tem importância por ter sido um dos introdutores dos estudos de identidade.
Suas análises para uma configuração étnica, partem de uma interpretação étnico-histórica. Ou seja, entender como os grupos produzem sua identificação étnica num processo histórico.
Uma distinção importante na obra de Bastide para o entendimento de sua interpretação, está na concepção de ideologia e memória coletiva. Sendo a memória coletiva, e não a ideologia, o fator importante para a reconfiguração da África entre nós.
As religiões africanas são, para Bastide, equivalentes da cultura africana, onde não é total, mas partes ficaram e se reproduziram. Seria a autenticidade da cultura africana, no Brasil, especificamente, em contraponto aos Estados Unidos, por exemplo, que teve que reinventar sua cultura que foi suprimida no passado.
Nessas análises de Bastide, ele não está preocupado em olhar as culturas, mas os agentes culturais. Os agentes em relação. São os grupos que se encontram.
Outro fator importante para entender Bastide, é que ele quis juntar sociologia e antropologia. Ou seja, o estudo das relações com o estudo do simbólico. E disso ele buscava entender como essas religiões foram reagindo com o espaço das relações no Brasil. E daí ele diz que as idéias migram para o Brasil, reinstalam-se, e diante das adversidades, a memória coletiva foi preservada. Sendo desta memória coletiva que se dá a configuração da África no Brasil. Em outras palavras, Bastide diz que a religião é a expressão mais elevada de uma civilização. Ou seja, se eu entendo a religião, eu entendo a civilização.
Vale salientar que estes estudos têm inspiração em Weber, onde Bastide construiu uma sociologia das configurações. Formas de agenciamento do simbólico.
É importante falar também que, além da sociologia e antropologia, Bastide dá valor à psicologia, onde ele procura entender a relação entre estrutura social e vida mental.
É, então, a sociologia, a antropologia e a psicologia sendo utilizada por Bastide para o entendimento do processo de re-significação das configurações africanas em território brasileiro, através de uma memória coletiva prevalecendo diante dos conflitos sociais.



George Ardilles
Bacharelando em Ciências Sociais da UFPB

terça-feira, 10 de junho de 2008

Quando a defesa de privilégios raciais une direita, centro e esquerda e sai na Globo


Por Dennis de Oliveira [Segunda-Feira, 5 de Maio de 2008 às 11:34hs]

Você imaginaria uma manifestação pública que unisse intelectuais tucanos, jornalistas de extrema-esquerda, um articulista de extrema-direita, um músico que protagonizou um movimento de rebeldia estética, uma liderança política que se afirma marxista, lideranças empresariais? Uma manifestação que vai contra uma política que proporciona a inclusão de um segmento social historicamente excluído? Uma manifestação que elogia medidas recentemente tomadas na emergência do neoconservadorismo nos Estados Unidos? E tudo com ampla cobertura do Jornal Nacional?
Pode acreditar que isto aconteceu. Foi o manifesto entregue no Supremo Tribunal Federal assinado por lideranças (?) e intelectuais (?) solicitando que a corte declare inconstitucional a adoção das cotas nas universidades com a alegação de que isto fere o tratamento igual, independente de raça, credo, etc. previsto na Constituição.
O que une esta aliança tão ideologicamente heterogênea? Os seus membros não são vítimas do racismo que impera sobre a população negra. São pessoas que não sofreram e não sofrem com os mecanismos de exclusão racial e querem ditar como esta população negra deve lutar pelos seus direitos. Será que este mesmo grupo aceitaria que os povos de matriz africana também decidissem como os judeus deveriam ser reparados após o Holocausto nazista? Será que também é contra as políticas de ação afirmativa implantadas no final do século XIX e início do século XX que beneficiaram os imigrantes europeus (provavelmente muitos destes são descendentes destes imigrantes e beneficiários diretos destas políticas de ação afirmativa)? .
A argumentação do manifesto é absurda. Parte do pressuposto de que políticas de ação afirmativa "racializam" a questão social, como se esta já não fosse racializada historicamente no país. A questão de que o problema da população negra é social e não racial não responde a seguinte pergunta: por que os negros são pobres? Porque o critério de ascensão social no país é racializado. Assim, não são as políticas de ação afirmativa que irão "racializar" as relações sociais, elas já são racializadas e ignorar isto é manter as assimetrias e desigualdade de oportunidades com marcas raciais no país.
Outro argumento no manifesto é que as políticas racializadas são excludentes. Cita o apartheid e as classificações étnicas feitas na época da colonização. O argumento é matreiro: compara uma reivindicação voltada para superação das desigualdades raciais com medidas tomadas por poderes racistas para a manutenção e ampliação das hierarquias raciais. Tem um fundo cristão neste argumento. Pedem para que a população negra, diante da violência que sofre do sistema, aja como Jesus Cristo: diante do tapa recebido, ofereça outra face.
Mas a lógica reacionária se mostra quando o texto do manifesto considera "um avanço" as declarações de inconstitucionalida de feitas pela Suprema Corte dos EUA das ações afirmativas naquele país. Não informam, os manifestantes, que esta ação da Suprema Corte ocorre dentro de um retrocesso conservador nos últimos anos nos EUA que tem como conseqüência o aprofundamento das desigualdades sociais naquele país, a concentração de renda e a emergência de uma extrema-direita cujas políticas são danosas para todos os povos. Não me surpreende que Reinaldo Azevedo defenda isto. Mas será que José Arbex, Ferreira Gullar, César Benjamin e outros endossam isto ou a paixão anti-cotas os faz aliar-se a idéias e pessoas conservadoras deste tipo?
E, finalmente, qual é a alternativa apresentada pelos signatários? Esperar uma melhora no ensino público para que as condições sejam iguais? Talvez ignorem os estudos feitos pelo economista Ricardo Henriques, do Ipea(Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) de que a manutenção do atual grau de evolução dos indicadores sociais da população negra fará o conjunto deste segmento social atingir o atual estágio em que se encontra a população branca em 32 ANOS!!! Traduzindo: se a população branca ficasse parada nos atuais indicadores sociais e a população negra continuasse o ritmo atual de melhoria das suas condições sociais, em 32 ANOS TERÍAMOS A PRETENSA EQÜIDADE SOCIAL!!! Seria interessante estes intelectuais irem pedir à população negra para que aguardem uns 30 anos para conseguir a sua cidadania (só 30 anos, isto não é nada!).
O debate anti-racista no Brasil incomoda pelo seguinte motivo: combater o racismo implica, necessariamente, em redistribuir riquezas e isto significa perda de privilégios para alguns. Enquanto o combate ao racismo fica no aspecto etéreo, sem foco, como mera denúncia, a solidariedade é enorme. Não é politicamente correto assumir-se como racista, principalmente para quem se diz "intelectual" e "de esquerda". Mas incomoda - e muito - quando o movimento negro supera a fase da denúncia e passa a exigir a eqüidade num país em que o bem estar é um privilégio e a socialização dele implica em perder privilégios. Em casos como este, fronteiras ideológicas se esvaem e esta aliança - que parece impossível de acontecer - não soa tanto estranha. E muitas figuras que, pelas suas posições político-ideoló gicas jamais teriam visibilidade na Globo, tiveram seus minutos de fama no Jornal Nacional.

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Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, jornalista e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, presidente do Celacc e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro (Neinb/USP).
E-mail: dennisoliveira@ uol.com.br

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